terça-feira, setembro 8

"Uma Qualidade Redentora"


Você já ouviu aquele papo sobre "todos terem uma qualidade redentora"? Sobre como devemos amar cada um pelo seu lado bom? Já te disseram que Hitler adorava cachorros?
Eu acredito nisso. Acredito que ninguém é cem por cento iluminado, um poço de gentileza e compreensão - aliás, por sorte: essa pessoa perfeita seria extremamente irritante, e muito, muito sem graça. Também não acho que alguém esteja completamente no lado negro da força. Deve existir uma coisinha, um detalhe, uma história, algo de que esse vilão goste, ou com que se importe. Não consigo imaginar um ser humano que não se prenda a nada, que não ame ninguém.

Mas vem então a segunda afirmativa: devemos amar cada um pelo seu lado bom. Sério? Você amaria um assassino, um estuprador, um monstro porque, sei lá, ele gostava de flores? Ou porque ele perdeu a mãe quando criança? Ou porque ele tinha um gato de estimação?

Flores, pais, crianças, bichinhos são todas coisas lindas. Não são, entretanto, uma desculpa suficiente para crimes assim. Hitler amava cachorros mas matou milhares de pessoas; o que só mostra que para ele os judeus, negros e homossexuais eram mais insignificantes que animais "irracionais" (eu acredito com todas as forças que os animais pensam e sentem como nós, mas essa é outra história). Às vezes o lado bom simplesmente não é forte o suficiente para superar o ruim. Existem pessoas pelas quais não vale a pena lutar, por mais cruel que isso possa parecer.

É diferente ter uma visão maniqueísta do mundo e ter consciência de que andam por aí indivíduos maus. Por que andam, sim. Não faz diferença se eles estão arruinando vidas por vingança ou por doença - na maior parte das vezes, eles estão arruinando vidas e isso é suficiente para condená-los. São poucos os casos que me deixam em dúvida, que me fazem perguntar quem é realmente o mocinho e o bandido.

Somos todos humanos - com alegrias e tristezas, e memórias e preferências, e paixões e fúrias que vêm e vão o tempo inteiro. Mas é a forma que se lida com essa bola de neve de emoções que faz de você bom ou mau. Você pode pender para um ou outro lado, e tentar deixar a balança em equilíbrio. E ir levando assim, com leves oscilações, realizando nossa pequena dança entre o moral e o imoral, sem nunca encostar em uma das extremidades, sempre voltando para o meio, para o não-tão-bom-e-não-tão-ruim que é o normal.

Agora, quem perde mais tempo agindo de forma perversa, realizando atrocidades, quem comete barbaridades sem sequer se dar ao trabalho de demonstrar culpa... Bem, não venha me dizer que essa é uma pessoa boa. Mesmo que ela goste de cachorros.