sexta-feira, agosto 6

"A Justiça da Dor"


Eu acredito que existe uma certa justiça universal que define o quanto uma pessoa sofre durante a vida. Pode parecer estranho, ridículo. Como alguém é vítima de um terremoto ao lado de indivíduos que simplesmente parecem ter tudo o que querem, quando querem, estão sempre alegres, bonitos e bem sucedidos? Mas - aí é que está - eu duvido que essa felicidade seja real. Ninguém é feliz o tempo inteiro.

Acho que todo o mundo recebe doses de dor e tristeza ao longo dos anos. Em certos casos, a tragédia vem em doses homeopáticas: uma briguinha de casal um dia, um problema no trabalho meses depois, um pequeno acidente de trânsito um ano adiante. Pra outros, o sofrimento vêm em uma enxurrada, é breve, intenso. Uma morte na família, uma doença sem cura após tempos longos e felizes. Não importa. Para mim, a dor é um mal bem distribuído no universo.

Obviamente, essa é uma teoria que nunca nos ocorre quando é a nossa vez de encarar as coisas ruins. Não no momento em que queremos nos enrolar em nossos cobertores e sumir do mapa, e apenas comer e dormir e sentir pena de nós mesmos. Não na hora em que chega essa louca vontade de brincar de mártir.

Não é justo, não é justo. Por que isso foi acontecer comigo? Com tanta gente pior por aí, por que eles não poderiam ser demitidos, fazer uma cirurgia, perder um filho? Eles bem que mereciam.

Bem, conforme-se. Não porque a vida não é justa mesmo, e seja apenas uma questão de abrir os olhos para a realidade e lidar com isso. Exatamente pelo contrário, controle-se porque existe alguma justiça na ordem das coisas. Todos têm a sua vez de sofrer, assim como todos têm a sua cota de felicidade - não necessariamente momentos gloriosos; momentos em que falamos besteiras com as amigas, rimos até chorar, damos um mergulho em uma dia quente de verão, conhecemos alguém que o faz sentir arrepios e faz as palavras se embaralharem nos lábios.

A felicidade tampouco precisa ser esplendorosa, assim como a tristeza é relativa. O que te faz sofrer pode não significar muito para o outro, e julgar se torna inútil. É impossível dizer que você teve momentos piores, mais infelizes que seu vizinho. Talvez ele se entristeça ao ver uma notícia sobre a fome no mundo e você se entristeça ao terminar com o namorado. Vai saber?

Se agora, portanto, é a sua vez, não se preocupe. O mundo não vai parar de girar, a vida na Terra não vai se extinguir, as pessoas sabem como você se sente. Não seja tão egoísta com os seus sentimentos, não os deixe guardados e jogue fora a chave. Alguém já sentiu a mesma coisa, por esse ou outros motivos. Alguém já derramou lágrimas pensando também que ninguém o entenderia. E depois, quem sabe, o seu próximo instante seja bobo e leve e feliz, e de repente a vida seja perfeita de novo.

sábado, julho 3

"Para Vivi"

É claro que eu poderia falar de milhares de coisas. Minha crise existencial veio e passou, a faculdade se esforçou para sugar cada minuto da minha vida até o fim do semestre, arrumei um estágio durante as férias e finalmente me veio o baque (eu sei, sou ingênua, deveria ter percebido antes): a vida é isso. Não adianta esperar, por mais que eu queira, um momento em que tudo vai estar no lugar. A vida já é um sucesso se você tem 50% dela resolvida. Mais que isso, só se você for uma princesa da Disney ou tiver menos de cinco anos de idade.

Foi uma percepção triste, admito. Mas fazer o quê? Deve fazer parte do pacote quando se cresce. E toda essa nova ideologia de manter os pés no chão e controlar expectativas pode ser útil para evitar decepções. Pode, apesar de eu ainda não ter tido oportunidades de testá-la - confesse, imaginar desfechos maravilhosos com direito a chuvas de pétalas e coros de aleluia é muito mais satisfatório. É, chuvas de pétalas são um pouco exageradas...

De qualquer forma, essa é só a minha enrolação de sempre, minha cabeça cheia até as bordas começando a derramar idéias perdidas. Alguns dias são assim, simplesmente te ocupam demais, exigem demais. Meu pobre cérebro está esgotado.



Minha irmã menor fez uma cirurgia hoje. Ela não é tão pequena assim - grande o bastante para voltar de festas às seis da manhã e beijar todos os meninos que quiser - mas continua sendo uma irmãzinha. Sabe, aquela criaturinha pentelha e irritante que você agüenta por anos e anos, que nunca perde a chance de implicar um pouco ou te delatar para os pais. Que consegue tudo o que quer com uma carinha de choro convincente, e faz com que, eventualmente, você escute a tal frase abominável - "Ah, coitadinha, ela é menor que você...". Bem, sim, é ela mesma.

E não importa o quanto você jure que não vá sentir sua falta, que queria ser filha única, que ela não faz nada além de atrapalhar sua vida, que seus pais a preferem - preferem ela a você, logo você, um filho tão perfeito e incompreendido! Não importa.

Tampouco importa o fato de ela ser mais popular ou bonita que você. Nem que ela seja cheia de atitude - atitude demais para caber em uma menina de catorze anos. Onde foi parar a tal insegurança adolescente? Minha irmã nasceu sem esse gene. E se ela já teve vários namorados, já provou bebida alcoólica, já diz palavras como "desprezível" e "bizarro" (pois é, os insultos dela se desenvolveram muito ultimamente. Nada de "chato" ou "idiota", ela xinga com classe...)? E daí? Ela é uma irmãzinha, ela é o bebê. Ela ainda vai ser o bebê da família com setenta anos, velhinha e enrugada.

Ver minha irmãzinha entrando e saindo da sala de cirurgia foi absurdamente ruim, pior do que pensei que seria.

Acho que estava com mais medo do que ela. Tudo bem, já estou acostumada a ser o membro mais ansioso da família. Eu passo horas refletindo sobre cada uma das terríveis possibilidades de erro, de ela sentir dor, de algo não sair como planejado. É tortura, é apertar o botão de auto-destruição. E, no entanto, não consigo evitar.

Eu só fico chateada por não poder ser uma irmã melhor. Uma irmã que não ia passar mal ao vê-la tirar sangue, por exemplo, ou que conseguisse ficar calma com as dezenas de tubos enfiados por todo o seu corpo. Eu queria não ter vontade de chorar a cada vez que a vejo assim, porque ela sempre parece tão pequena e indefesa e o fato de justamente ela dentre todo o mundo ter tido escoliose me deixa louca. Por que não outra pessoa? Tantas pessoas bem que poderiam ter uma doença assim, tantas fizeram por merecer...

Ela está bem agora. Em uma semana, vai estar em casa e, aos poucos, tudo volta ao normal. Porém nada explica o porquê de ela ter que passar por isso em primeiro lugar. Eu, definitivamente, nunca vou entender como o mundo funciona.

Aproveitei o fato de ela estar dormindo agora para escrever esse texto. Não sei bem como terminá-lo. É mais um desabafo do que qualquer outra coisa, eu não tenho de verdade uma moral ou uma teoria para passar, nada que vá fazê-los refletir ou mudar os rumos da humanidade. Apenas, talvez, eu deva dizer para que vocês tratem melhor os seus irmãozinhos. Ou não - eu e a Vivi brigamos o tempo todo desde que o seu cordão umbilical foi cortado, e isso não significou que nos amássemos menos. Brigar é só mais um jeito esquisito de amar as pessoas, então, se você quiser enfrentar sua irmã por, sei lá, ela ter comido o último pedaço de bolo ou pegado uma roupa sua sem pedir, vá em frente. É normal. E ela vai continuar sabendo que você a ama para sempre, sempre, sempre, de todo o coração.

(E, Vics, melhore logo! Só não pense que esse post significa que eu não vou mais me irritar da próxima vez que você bagunçar todo o banheiro ou monopolizar o computador...).

domingo, maio 23

"Os Ponteiros estão Voando"

Quando você começa a aprender demais, ser cobrado demais, analisado demais, se torna um pouco difícil lembrar dos motivos pelos quais você gostava de escrever antes. Sem tantas regras, sem fórmulas prontas. Sem receber notas por isso, sem se preocupar com o que outros possam pensar. Eu amo escrever, e deixei que se tornasse uma obrigação por algum tempo.

É só uma desculpa por não ter escrito por tanto tempo. É muito ruim? É a que eu tenho.


A universidade é um período estranho. Ou eu estou agora estranha demais para ele, quem sabe. Talvez seja uma crise existencial. Minha mãe disse que se chama preguiça. Talvez eu esteja com preguiça da vida.

O estranho da universidade é que de repente a época de sonhar acaba. Não adianta muito ficar em casa com sua melhor amiga, falando bobagens e inventando o futuro. Não adianta muito pensar em uma casa branca de janelas vermelha, com flores no jardim. Esse tempo passou, pensar é pouco demais, não é bom o bastante. É preciso comprar um terreno, e tinta vermelha, e arrumar dinheiro para o tal terreno e a tal tinta vermelha.

O estranho é que você já tomou a grande decisão da sua vida - o que você vai ser quando crescer? E aí, você já cresceu.

Eu nunca tive medo de crescer. Era o que eu mais queria, ansiava. O que poderia ser melhor do que ser grande? Eu queria acelerar os ponteiros do relógio, queria que corressem para mim, porque ser grande simplesmente parecia bom demais. E eles me atenderam, infelizmente, ganhando velocidade à cada ano, à cada velinha em cima do bolo, até levantarem voo. Estão fora de controle, agora.

Eu não fiz tudo o que me imaginava fazendo até a faculdade. Sou boa em planejar, em sonhar sonhos impossíveis, e já não tão boa assim em fazer algo de fato. E, para piorar, os ponteiros do relógio estão voando.

Não falei que estava em crise existencial? A primeira da minha vida, se bem que ainda não vivi tanto assim. Talvez seja normal.

A vontade que tenho é de parar o mundo. Só apertar o botão de "pause". Parar minha família e meus amigos e minhas aulas e minha vida toda - eu sou egoísta, vocês sabem. Quero parar, porém não suporto a ideia de os outros continuarem sem mim. Quero parar e me esconder um pouco, só por algum tempo, e esperar passar. Quanto tempo leva para o sentimento ir embora? Uma semana? Duas? Um ano? Acho que não aguentaria um ano assim, sendo arrastada pela multidão, sem me preocupar de verdade com nada. Eu mencionei isso? Que, dentre todas as coisas que me empolgavam antes, agora nenhuma parece ter grande importância? Não consigo me preocupar com nada. Na realidade, me preocupa o fato de não me preocupar.

Isso faz sentido para mais alguém? Talvez eu esteja ficando louca. Talvez eu tenha talento para histórias, talento para fantasia. Talvez não tenha talento para viver.

segunda-feira, março 1

"Com Quem Você Pode Contar"


Dentre os muitos planos que eu poderia ter traçado para o final de semana, eu acabei indo - acreditem se quiser - à igreja. E sim, foi só durante uma hora, acompanhando uma amiga (OI, TOPS!), mas ainda acho que conta. Quer dizer, se formos contar os aproximadamente cinco minutos que passei dentro de igrejas durante toda a minha curta existência, essa uma hora foi bastante significativa.

Não vou dizer que mudei minhas crenças. Não foram sessenta minutos tão mágicos assim. Entretanto, é meio que bonito de se ver. A fé é muito interessante - o que leva milhares de pessoas a acreditar fielmente em uma história tão fantasiosa quanto Harry Potter ou O Senhor dos Anéis? O que faz com que elas vão, semana após semana, a um lugar sagrado para agradecer ou implorar a boa vontade de uma criatura invisível, incerta e - vamos admitir - de humor um tanto instável?

Sem ofensas. Sei que meu último texto sobre deus pendeu para o ataque; este, porém, tem a intenção de ser inofensivo. Só que acho realmente impressionante. Acho tão plausível quanto acreditar em Aslam, com a diferença de que Aslam de fato aparecia, em carne e osso, para lutar ao lado dos narnianos. De onde vem essa habilidade inata de crer? Eu não a tenho. Bem, tenho, mas quanto a outras coisas - acredito em alma, em espíritos, em vida após a morte. Quando preciso de ajuda ou estou com medo, eu falo com pessoas conhecidas que já se foram, e não com um Papai Noel barbudo me assistindo de cima das nuvens.

Alguns estudos afirmam que o ser humano nasce programado para acreditar em uma força maior. Não me perguntem, não me lembro quais foram esses estudos no momento, mas sei que existem. Eu sou mais inclinada à outra alternativa - a de que o homem inventou deus, e não o contrário. De que ele viu todo esse acaso distribuindo alegrias e tragédias por aí e quis possuir algum sentimento de ordem e proteção em meio à essa loucura. Então surge deus. Ele é a força daqueles que não têm mais com quem contar ou a quem culpar.

Você queria morar em São Paulo e acabou no Acre? Deus quis assim. Você levou três anos para acabar de reformar sua casa e um terremoto a destruiu dois meses depois? É um castigo de deus. Você se matou de estudar para passar na federal e entrou? Graças a deus.

O mundo é uma série de reviravoltas sem sentido, repleto de tristezas demais e felicidades escondidas, uma onda atrás da outra, que vêm antes que se consiga recuperar o fôlego. Não há ordem. Não há proteção. Cada um tem apenas a si mesmo e a sua família - seja sua família formada por amigos ou parentes de sangue, o que importa é que são essas as pessoas com quem você pode contar. Elas estão aí na sua frente, podem ser tocadas, abraçadas, elas consolam e riem. Elas, sim, merecem sua fé e seu agradecimento.

E aquele ritual, a missa, com pessoas cantando e rezando de joelhos, com histórias bíblicas entremeadas de orações? Não foi ruim. Foi... diferente. Apesar de eu não pertencer àquele lugar, era possível perceber a tradição que os envolvia. Então, pensei, se a religião traz tantos problemas, discussões, guerras e dúvidas, ao menos eu talvez tenha encontrado sua utilidade: ela forma famílias. Ela une alguns vizinhos, um bairro, um povo... E se deus não estiver lá quando for necessário, talvez essas pessoas estejam, uma para a outra. E isso já é alguma coisa.

terça-feira, dezembro 22

"Há Um Ano"





Eu acordei cedo naquele dia, vesti a roupa que havia escolhido depois de tantas ponderações no dia anterior. Não lembro se tomei café, mas minha mãe deve ter me obrigado a colocar alguma coisa no estômago inquieto. Recebi abraços de boa sorte, estava pulando de um lado para o outro, nervosa, ansiosa, empolgada. Apavorada.

Andei com a minha mãe até o ponto de ônibus enquanto o sol ainda se espreguiçava, nem aparecia totalmente. E lá estava eu - cidade nova, pessoas novas, e, que deus me protegesse, uma linha de ônibus que eu nunca tinha visto antes e que, com sorte, me levaria a faculdade.

Era meu primeiro dia. A universidade parecia gigantesca, perfeita para que eu me perdesse, e todos tinham aquele ar de gente muito importante, muito ocupada, muito inteligente. Quer dizer, eles deveriam ser isso tudo, não? Eles estavam no ensino superior! Ah, ops... Agora, eu também estava. Ainda assim, era para eu me sentir tão... pequena? E desnorteada?

Isso foi há um ano atrás - e parece mais que uma vida. Eu não conhecia ninguém, não acreditava realmente na minha capacidade de morar sozinha, tinha certeza absoluta de que ia me perder centenas de vezes na minha nova cidade grande - e era orgulhosa demais para pedir ajuda. Queria desesperadamente provar para mim mesma que podia fazer aquilo, que podia ser a pessoa que queria. Estava tão, tão animada, e tão completamente mortificada ao mesmo tempo!

Hoje? É até engraçado. A idéia de não ir à faculdade é ridícula. Sabe, é um milhão de vezes melhor do que a escola. E as pessoas? Aquelas criaturas estranhas, independentes, bem-resolvidas? Acontece que, a partir do primeiro "oi" sem graça, elas se tornam iguais a você - e, como você, elas não sabem exatamente como agir no início. E, um pouco mais tarde, elas se tornam suas amigas, e, alguns meses depois, é impossível imaginar a vida sem elas! Não é uma maluquice total e completa que agora eu me importe tanto com pessoas que nem sequer conhecia onze meses atrás?

E que eu conheça as ruas ao meu redor, e tenha pontos de referência - certo, não muitos. Eu amadureci, mas continuo um ser perdido, incapaz de guardar mapas na cabeça - e restaurantes preferidos, e lugares para ir? Que eu saiba pagar contas, e cozinhar e ir ao supermercado, e limpar o apartamento, e ficar sozinha depois de ver séries policiais ou trailers de filmes de terror sem morrer de medo? Não é a coisa mais incrível do mundo que eu tenha uma rotina, uma vida inteira que não imaginava há um ano?

E que, aliás, pedir informações não seja algo tão vergonhoso como eu supunha?

Bem, pode não parecer muito para vocês. Para mim? É a maior vitória, o maior orgulho da minha vida. Mesmo que falte um longo caminho - com pequenas coisas, sem importância, tipo, hã, arrumar um emprego? Só detalhes dispensáveis, haha - eu aprendi a me virar por conta própria. Por conta própria com uma ligação diária para casa, porque continua sendo indispensável ouvir a minha mãe de vez em quando. But, anyway.

Eu mudei. Não doeu nadinha! Sem querer soar repetitiva, mas não é incrível?

Enfim, esse é provavelmente o último post do blog, esse ano. Então, queria que ficasse devidamente registrado que ele foi maravilhoso - e só um  pouquinho difícil, no começo (entretanto, se não fosse, qual seria a graça?). Obrigada a todas às pessoas novas e às pessoas antigas, que continuaram comigo. E aos meus quatro ou cinco leitores, é óbvio, já que sem vocês eu estaria simplesmente desabafando para o nada e, afinal, é bom ser ouvida.

Bom Natal, feliz Ano Novo, e que 2010 seja ao menos tão bom - mas, de preferência, que seja muito melhor - que 2009, para todos vocês.

Marcela L.